Antes do início da pandemia COVID-19, uma a cada três mulheres ao redor do mundo, havia sofrido violência doméstica. Os lockdowns e o #FiqueEmCasa, resultaram em aumentos acentuados dos casos. Na França, os relatos de violência doméstica aumentaram mais de 30%. Na América Latina, os índices subiram acentuadamente. Na Colômbia, por exemplo, a violência contra as mulheres entre 29 e 59 anos aumentou 94% entre março e maio de 2020.
No entanto, nem todos os países estão registrando aumentos dos casos. Nos USA, em algumas regiões caíram mais de 50%. Mas estes números podem ser enganosos e as vítimas confinadas em casa com seus agressores, podem ser incapazes de relatar incidentes ou obter ajuda. Além disso, a tradicional "linha de frente" contra abusos, como professores, colegas de trabalho, médicos e amigos, passaram a ter contato limitado com as vítimas em potencial. Essas condições deixaram todas as idades e gêneros em maior risco, e ofereceram aos abusadores tempo adicional para rastrear, coagir e prender vítimas, adicionando ainda o ingrediente da tecnologia.
Muito antes dos confinamentos, a tecnologia inteligente (fechaduras controladas pela Web, luzes, termostatos, câmeras, etc.), já havia sido mal utilizada para monitorar, perseguir, assediar ou intimidar. Com abusadores e vítimas juntos dentro de casa, e por muito mais tempo, a oportunidade de reconfigurar esses dispositivos se expandiu. Em 2018, num caso real, uma casa inteligente, com dispositivos de IOT (Internet das Coisas), forneceu novos níveis de confornto, conveniência e controle pessoal sobre todo o ambiente. Desde a iluminação até o controle climático, podia ser conectado. No entanto, o parceiro abusador invadiu o sistema da casa e, usando câmeras de vigilância, passou a monitorar os movimentos da mulher, tocando músicas no meio da noite, piscando as luzes, e desligando a televisão. A casa parecia mal assombrada. Ele tinha configurado o sistema doméstico inteligente, e a esposa não conseguia assumir os controles. Você pode achar que isto é coisa de cinema, já que a série Mr Robot (2015-2019) relata quase que exatamente tudo isto, logo no início de sua Segunda Temporada. Só que infelizmente a situação acima realmente aconteceu nos USA.
A quantidade de tecnologia nas casas dos Americanos só aumentou desde então, especialmente quando a pandemia forçou pessoas, empresas e instituições de ensino a recorrer ao trabalho remoto e à educação virtual. O número de dispositivos que operam através de redes domésticas coloca as vítimas e suas organizações em um risco adicional. Uma instituição de apoio contra a violência doméstica relatou que mais de 70% das pessoas ajudadas relataram abusos ligados à tecnologia. O problema se estendeu aos assistentes virtuais, relógios inteligentes e até interfones com câmeras. Muitos desses dispositivos estão conectados ao cartão de crédito, portanto os abusadores podem, além de assumir o controle do equipamento, ter acesso aos dados financeiros do alvo.
Outro ponto de atenção é a utilização de malwares (stalkerware ou spyware) usados para rastrear os dispositivos das vítimas, sites que visitam, números de telefone que discam e até mensagens de texto enviadas. As ferramentas disponíveis podem ligar a câmera ou microfone de um smartphone ou laptop e permitir que os criminosos ouçam conversas ou vejam onde a vítima está ou o que está fazendo. Muitas vezes o agressor pode gravar chamadas ou atividades, que podem ser usadas mais tarde para chantagear. Você pode acompanhar isto no filme Cyberbully (2015) ou, aprofundar no assunto e ainda se entreter... e clicar aqui: Filmes sobre Cybersecurity, Segurança da Informação & Hackers!
A maioria dos stalkerwares requer acesso físico ao dispositivo, mas se as vítimas estiverem confinadas por meses com seus agressores, as oportunidades para invasão do dispositivo serão enormes. Os riscos também se estendem aos aparelhos corporativos, já que um celular ou laptop infectado com malware de perseguição, poderia coletar informações confidenciais ou propriedade intelectual da empresa, e desta forma o perpetrador poderia exercer controle sobre a vítima, vingar-se do empregador, da empresa, etc.
Ferramentas remotas de gerenciamento de estação de trabalho como, por exemplo, rastreadores de produtividade ou software de monitoramento de funcionários, os bosswares, possuem funções semelhantes ao stalkerware, e podem até tornar comum a espionagem virtual dos abusadores. Muitos destes aplicativos de monitoramento de trabalho remoto são mal desenhados e sem preocupação com a segurança, o que aumenta a possibilidade do desvio de finalidade.
O monitoramento das pessoas dentro de suas casas e a capacidade de ver o que estão fazendo durante o horário de expediente ou não, é extremamente invasivo. Da mesma forma, os funcionários são colocados na posição delicada em recusar softwares de monitoramento, especialmente durante um período de incertezas econômicas e alto desemprego. Se um colega, gerente ou a empresa em geral, abusar do sistema, o empregado pode não denunciar, por insegurança.
É onde a Segurança deve se unir à TI em desenvolver e aplicar campanhas de conscientização, sobre malware, stalkerware e cibersegurança, além de divulgar informações sobre assédio, violência doméstica ou no local de trabalho, e os recursos disponíveis na assistência às vítimas. Fornecer e promover alternativas de denúncia, especialmente se os abusadores estiverem se valendo da tecnologia, também se mostra necessário. É preciso reformular abordagens e debater sobre como este tipo de vigilância pode ser abusiva. Rastrear secretamente a localização, mensagens, senhas ou telefonemas do seu parceiro, é abuso. Boa prática é incluir estes novos termos na cultura dos empregados e difundir a ideia do abuso digital, já que a maioria das campanhas tem foco na perseguição e no assédio estereotipados.
O abuso doméstico afeta também a segurança no local de trabalho, particularmente no que diz respeito aos agressores ativos (aqueles que efetivamente buscam o local de trabalho dos parceiros) e na mitigação do risco da violência nas empresas. A tecnologia aumenta o desafio, tornando o abuso de parceiros um problema de segurança cibernética.
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