Resolvi acrescentar às minhas atividades físicas a modalidade Bike. Eu servia no QG (Quartel General) na Rua Sgt Mário Kozel Filho, em frente a Assembléia Legislativa no Bairro do Ibirapuera - SP. Acontece que nesta época eu ainda morava com a minha mãe na Vila Maria, ou seja, a aproximadamente 16 quilometros da Caserna. Veja bem, eu praticava natação 2 vezes por semana, ginástica preparatória e futebol nos outros três dias úteis e ainda queria percorrer 64 quilômetros (2 dias) de bicicleta na mesma semana. Vamos lá... 25 anos, ex-PE, 1º Tenente, esperto... adivinhe no que deu.
Para retornar do quartel era necessário subir a Avenida 23 de maio, que é uma ladeira e tanto, mas como ainda se iniciava o percurso dava pra levar na boa. Quando terminava a subida vinha a recompensa, uma descida animal até o vale do Anhamgabaú.
Eu tinha velocímetro na minha magrela e constantemente chegava aos 60 Km/h naquele trecho. Sempre gostei de andar de bicicleta e confesso que tinha certa habilidade neste esporte, ao ponto de soltar as mãos na descida da 23 para tomar "aquela brisa", né? Pelo menos era o que eu achava até aquele fatídico final de tarde de terça-feira.
Mais ou menos na metade da ribanceira, ou seja, embalo total, eu resolvi relaxar e como era de costume soltei as mãos do guidão e passei a apreciar a sensação de liberdade, só que a pista não estava tão boa quanto eu esperava.
Sabe quando a prefeitura remenda uma falha no asfalto, tipo um trecho que está com buracos? Então, o lugar era tão maledento que o remendo que fizeram tb estava muito ruim. Graças a Deus eu consegui perceber a falha no chão... mas entre eu perceber e conseguir pegar novamente o guidão foram duas coisas totalmente diferentes.
Eu imagino, e vcs tb, a cara de desespero que fiquei quando meu tempo de reação não foi suficiente para agarrar a bike novamente. Numa fração de segundo o pneu virou totalmente e eu sai voando igual ao Superman, literalmente. O capote deve ter durado uns 2 ou três segundos, mas para mim foram por volta de 22, 23 minutos. Quando bati no chão fui ralando no meio fio... as costas, o joelho, a mão, os dentes, o olho, a cara, sim, a cara, pq somente um animal faria uma coisa destas na 23 de maio. Não salvei nenhuma parte do meu corpo. Até minha alma foi prejudicada naquele incidente. Sinto até calafrios enquanto escrevo este post. Quando parei de brincar de "ralador de Moscone", levantei-me e, com dificuldade, sentei naquelas muretas que existem ao longo da avenida.
- Ai, ai, caralho, ai, me fudi, ai, me fudi, cara...lhoooo...
Como disse em alguns posts atrás, eu andava armado, só que de bike não dava pra deixar a ferramenta no tornozelo, então eu levava o
Tackleberry, nome que dava ao meu revólver, dentro da mochila junto com minhas roupas de muda. Devagar, consegui tirar a mochila e colocar ao meu lado enquanto tentava me recuperar do tombo.
O acidente foi feio e alguns "cachorros loucos" (Motoboys) pararam pra prestar socorro. Podem pensar o que quiser, mas minha preocupação naquele momento era que um daqueles caras pegasse minha mochila e desse fuga com minha arma. Ai sim eu estaria mais arrebentado do que com o capote.
- Cê tá bem brow?
- Tô, Tô... (Tô o caralho... tô todo fudido! Pensei) - Só preciso deitar um pouco aki para esperar passar a dor.
E de sentado passei a deitado na mureta. Após alguns minutos os caras perceberam que eu não melhorava e começaram a me pressionar pra irmos ao hospital. Tentei sentar novamente... não deu.
- Meu Deus... preciso de Hospital! Me leva pro
HG... me leva pro HG!
Os caras foram firmeza. A 23 de maio não tem acostamento e é uma via muito rápida, então eles começaram a fechar o trânsito para pedir ajuda. Muito perigoso, porém necessário naquele momento. Por sorte uma viatura da Polícia Metropolitana, tipo camburão, passava pelo local e parou para me socorrer.
- Sou Tenente do Exército, me leva pro HG...
Os policiais jogaram o que restou da bike na traseira da Vtr e eu embarquei no banco de trás.
- Não sei onde é chefia... explica o caminho aí...
Eu não conseguia falar direito e o motorista tb não conseguia ouvir...
- Entre a próxima à direita, sentido Cambuci...
Tentando ainda não sentir mais dor...
- O quê?
- Entre a próxima à direita, sentido Cambuci...
Putz, rrrrrrrrr...
- Não entendi...
Juntei todas minhas forças e gritei...
- Entre a próxima a direita, sentido Cambuci...
E foi assim até a entrada do Hospital Geral do Exército. Repetindo 3 vezes pra cada rua em que o motorista tinha que virar. Se o tombo durou uns 22, 23 minutos o trajeto custou uns 2 anos da minha vida.
No Hospital foi mais trânquilo, mas minha preocupação não era com o talho que eu estava no cotovelo, ou com as costas que pareciam maqueadas pelos caras das
"Noites do Terror" do Playcenter, e sim com minha bacia que doía demais e ao meu ver estava fraturada. Nada foi constatado na "chapa", logo fui medicado e liberado.
Ok. Porém com o cair da notie chegou tb a dor. O ferimento do cotovelo mostrou para o que veio e começou a latejar, demais, e mais, e mais... até que em determinado momento levantei-me da cama e, como conta minha mulher, gritei...
- Vc quer doer? Quer? Quer? - Fui falando pro meu braço...
E com raiva dei 3 belos socos no machucado...
- Aaaaaaiiiiii, caralho, puta que o pariu, filho da puta!!!
Até hoje minha mulher ri quando lembra da cena. E eu tb consegui rir um pouco em meio a toda aquela dor. E toca de novo pro HG.
- Moscone, vou ter que te internar. - Disse o Aspirante Médico.
- Faça isto, por favor. Respondi rapidamente.
Foi constatada
Erisipela. Lembram que eu caí no meio fio e o cotovelo rasgou dentro da sujeira da guia? Então, deu esta podreira no meu braço. Nem bacia, nem ralado. Só o cotovelo que me fudeu.
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Cap Sivaldo & Ten Moscone |
Como desgraça pouca é bobagem, na semana em que eu caí de bicicleta estava rolando uma bateria de instruções militares no QG e uma delas era sobre "Parte de Acidente". O militar que se acidenta deve informar a sua Unidade sobre o ocorrido e assim por diante, ou algo do gênero, não lembro mais. O capitão Sivaldo, chefe da minha seção, era especificamente o responsável pela tal palestra e, como todo bom amigo, tratou de basear toda a instrução sobre a "Parte de Acidente" que ele havia preenchido pra mim durante meu afastamento.
Todos os oficiais do Quartel General souberam os detalhes do ocorrido...
Abraço